noticias Publicado em 3 de junho de 2012

Saúde: preconceito e machismo

Dia 28 de maio foi o Dia Internacional de Ação da Saúde da Mulher. Não há uma mulher universal. Dependendo de sua raça, etnia ou sexualidade as mulheres veem e sentem de formas diferentes os cuidados que devem ter com sua saúde. Porém, é visível que as políticas públicas brasileiras tem esquecido a saúde integral da mulher e privilegiado a saúde materno-infantil. É preciso lutar cotidianamente Necessitamos pela implementação de políticas de saúde que garantam o acesso a serviços de qualidade e que respondam as reais necessidades de todas as mulheres. E isso deveria começar com o fim dos preconceitos e machismos que cercam a saúde feminina.

Há dois estereótipos a respeito de mulheres e dor impossíveis de coexistirem. Mas que coexistem. Dizem que as mulheres são frescas, não aguentam nada. E dizem que as mulheres suportam melhor a dor do que os homens. Assim como qualquer outro estereótipo machista, esses também não nos ajudam em nada. Pelo contrário, escondem enormes perigos.

 

Para que alguém consulte um médico, geralmente é preciso que a pessoa perceba alguma alteração no seu estado de saúde e, que ela conclua que é necessária uma avaliação médica para solucionar esse problema. E claro, que queira solucioná-lo.

No entanto, não são poucos os relatos de mulheres que sofrem de cólicas, por exemplo, mas ao procurar uma ginecologista, ou seja, ao perceber uma alteração em seu estado de saúde, concluir que somente um médico irá solucionar esse problema, e querer solucioná-lo, voltam do consultório com a sensação de que: “cólicas são normais”, “cólicas não doem tanto assim”, “cólicas são suportáveis”.

Também não são poucos os relatos de mulheres que sequer procuram um médico ao sofrer de cólicas porque ouvem a vida toda os mesmos argumentos: “cólicas são normais”, “cólicas não doem tanto assim”, “cólicas são suportáveis”. Acontece que dores na parte inferior do abdome, que se iniciam no início da menstruação e cessam logo após ela termine, também são os principais sintomas da endometriose. Doença que, estima-se, afeta uma em cada dez mulheres brasileiras. Segundo a Associação Brasileira de Endometriose:

A Endometriose é a presença do endométrio – tecido que reveste o interior do útero – fora da cavidade uterina, ou seja, em outras partes do útero ou em outros órgãos da pelve: trompas, ovários, intestinos, bexiga.

A Endometriose é dolorosa, pois mesmo se localizando na parte externa do útero, sofre a influência das oscilações hormonais. Isso significa que, os focos de endometriose sangram todo mês durante o seu período menstrual, mas o sangue não tem para onde ir. Além de ser dolorosa, a endometriose, também, pode tornar difícil a gravidez – uma condição conhecida como infertilidade.

Embora você possa nunca ter ouvido falar dela, considera-se que a endometriose afete uma em cada dez mulheres em idade reprodutiva. A endometriose é freqüentemente diagnosticada pelos médicos durante exame ginecológico, procedimento cirúrgico ou na realização de exames de investigação de infertilidade. Para cada cinco mulheres que estejam tendo dificuldade para engravidar, duas têm endometriose. Caso sua mãe ou irmãs sofram de endometriose, é sete vezes maior a chance de você também ter esse problema. Infelizmente, muitas mulheres “sofrem em silêncio”, acreditando que seus sintomas sejam normais. Outras não apresentam sintomas.

Curiosamente, a endometriose geralmente é detectada quando a mulher não consegue engravidar. E este dado é mais revelador do que parece: caso uma mulher que sofra de endometriose tenha sua primeira menstruação aos 14 anos e decida engravidar aos 26, por exemplo, e só aí a endometriose seja descoberta, isso pode significar 12 anos de sofrimento com fortes dores abdominais, sem que nenhuma medida tenha sido tomada.

 

Não consigo creditar a mais nada a responsabilidade por tamanha crueldade, exceto nos dois estereótipos machistas citados no início deste texto: o de que mulheres são frescas, portanto, dizem sofrer mais com as “cólicas” do que realmente sofrem, e o de que mulheres suportam melhor a dor do que os homens, portanto, por que procurar um médico por causa de uma cólica normal e perfeitamente suportável?

A conclusão de que muitas mulheres só descobrem que têm endometriose quando decidem engravidar (e não é um dado tão distante assim, de sopetão, eu consigo me lembrar de três casos próximos, e de vários outros que me forma contados) revela ainda um outro ponto crucial a respeito das políticas de saúde da mulher: o quanto elas são focadas na sua capacidade reprodutiva.

Isso não é difícil perceber: em uma visita rápida à sessão “Campanha publicitárias” do portal de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde é possível constatar que, na verdade, quase todas as campanhas “com foco na saúde da mulher” tratam na verdade de… amamentação. A saúde de quem é o foco afinal? Da mulher ou do bebê das mulheres que são mães? O principal programa do Ministério da Saúde atualmente é a Rede Cegonha. O Ministério da Saúde já fez importantes avanços no processo de incorporação da atenção à saúde integral das mulheres, em todas as fases de sua vida, em políticas passadas. Agora parece estar havendo um retrocesso, como explica Priscilla Brito no texto Saúde para mães, não para mulheres.

Hoje, 31 de maio, a Medida Provisória 557 que institui o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna cairá. O prazo para ser votada no plenário da Câmara termina hoje e o governo só poderá editar outra medida provisória com o mesmo teor daqui a um ano. A MP 557 é uma ameaça a privacidade das mulheres e não tem medidas claras para diminuir a mortalidade materna. No dia 25 de maio, o Ministério da Saúde anunciou que a Rede Cegonha reduziu em 21% a mortalidade materna.

E olha que não faltariam assuntos para serem abordados em campanhas do Ministério da Saúde. A esclerose múltipla, por exemplo, atinge quatro vezes mais mulheres do que homens. Já as doenças cardíacas matam seis vezes mais mulheres brasileiras do que o câncer de mama. E quantas de nós sabemos que os sintomas em mulheres costumam ser atípicos, como náuseas?

Entrando no campo da Saúde Mental, dados apontam também que a depressão atinge duas vezes mais mulheres do que homens. Aqui chegamos a uma outra situação, em que o machismo mostra as suas garras. Se já é difícil diagnosticar a depressão e outras doenças psicológicas/mentais, devido ao preconceito que ainda reina e afasta muitas pessoas dos consultórios psiquiátricos, imagina quando o senso comum nos ensina que “mulheres são frescas”, “choram por qualquer coisa”, “fazem drama por qualquer situação”, ou “são naturalmente descontroladas, por causa do seu ciclo menstrual”?

Estamos tod@s carecas de saber o quanto o machismo oprime as mulheres e atrapalha sua vida, mas merece atenção, especialmente da classe médica, o quanto ele pode nos estar empurrando para a morte.

Fonte: Blogueiras Feministas

Imagem: Fernando Lopes

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