noticias Publicado em 8 de agosto de 2016

Violência contra a mulher – visibilidades que fazem(se) políticas

Este e outros textos completos estão disponíveis na Revista do CRP (Conselho Regional de Psicologia – GO/TO 09).

Para acessar: http://www.crp09.org.br/portal/publicacoes/2030-revista-r9-agosto-2016

 

A violência contra a mulher não é algo novo. Esse tema tem permeado a vida das mulheres a tempos! Mas, então, qual a novidade? No meu ponto de vista, a novidade é a necessidade de romper com a cultura do segredo. Ao narrar publicamente suas experiências, as mulheres desafiam os limites do privado, possibilitando importantes movimentos de releitura e ressignificação.

A visibilidade dessas histórias abriu espaços para reconhecimento, identificação possibilitando que outras mulheres se sentissem também encorajadas a mudar seus “destinos”. Outro movimento mais amplo lança a questão da violência não como um problema individual, mas sim como um problema de todos (as), a ser combatida por todos (as), incansavelmente.

Não vou me deter nas possíveis causas da violência contra a mulher, muitos já o fizeram. Mas, gostaria de retornar ao meu argumento inicial sobre a potência de romper com a cultura do segredo. A revelação não como um ato confessional, mas sim como afirmação de novos modos de existir, mais integrados e libertários. Narrar, seja na forma oral ou escrita é uma das formar de desafiar as normas de gênero, tão bem sintetizadas nos termos “bela, recatada e do lar”, rompendo o ciclo da violência. Onde há dominação, há resistência, já dizia Michel Foucault (2004).

O episódio do estupro coletivo que aconteceu no Rio de Janeiro, alvo de grande repercussão expõe de forma contundente os contornos e paradoxos de um tipo de violência que infelizmente ainda é muito recorrente no nosso país. Fruto de uma cultura machista, preconceituosa e misógina – sentimento de desprezo ou aversão às mulheres ou ao feminino (vários dicionários) – a violência contra a mulher encontra no estupro sua forma mais perversa, expressa na ação de apropriação e tentativa de destruição desse feminino cujo ápice é a culpabilização das vítimas. Não por acaso que o estupro e outras violências sexuais têm sido utilizados como forma de demonstração de dominação, de virilidade, de assujeitamento causando sentimentos como vergonha, repulsa, humilhação e se configure com uma das mais terríveis ameaças a integridade física e mental das mulheres. No caso específico do Rio de Janeiro, o tamanho da violência teve como uma resposta à altura. Nunca se viu tantas ações políticas, sobretudo nas Redes Sociais instigando debates, organizando manifestações, conclamando por justiça. Importante dizer que a Psicologia por meio de seus Conselhos se fez presente.

Mas o que a Psicologia tem a dizer sobre a violência contra as mulheres? Historicamente, a Psicologia tem sido recorrentemente convocada na formulação, articulação e disseminação de discursos sobre gênero e sexualidade. Muito da produção discursiva do campo psi foi influenciada pelas ciências médicas e sexológicas, as quais, por sua vez, privilegiavam aspectos descritivos dos comportamentos sexuais e, com frequência, apresentavam conclusões de tendência normativa e disciplinar.

As teorias e práticas psi regulam as possibilidades de gênero, podendo ou não estar a serviço de manter ordens hierárquicas. Ao longo da história, a produção teórica da psicologia, empreendeu mais as diferenças do que as semelhanças entre os sexos, a fins da manutenção de lógicas polarizadas e contrastadas; da cisão entre vida pública e vida privada; divisão entre o pessoal e o político, dentre outras máximas. Somente a partir dos anos 1990, estudos de gênero desenvolvidos na Psicologia, sobretudo por psicólogas feministas, passam a se preocupar em evidenciar como as diferenças percebidas entre os sexos foram politicamente convertidas em desigualdades e assimetrias para justificar o sistema de opressão e de exclusão das mulheres dos espaços de poder (Narvaz, 2009).

Martha Narvaz (2009) alerta para o efeito da verdade produzido pelos discursos científicos sobre os sujeitos foi demonstrada empiricamente, atestando o poder das teorias psi, mais do que de outros discursos, de estabelecerem verdades. Essa produção de “verdades” volta-se sobre os sujeitos, produzindo efeitos que regulam a produção de subjetividades. Portanto, as teorias psicológicas fazem (se) políticas, queiramos ou não.

Gênero e sexualidade são elementos estruturantes da sociedade, e não podem mais ser ignorados ou tratados como questões de “menos valor”, porque casos como o da moça estuprada no Rio de Janeiro, nos escancaram tal realidade. Por essa e outras questões, acho de fundamental importância que sejamos capazes de nos perguntar como temos formado nossas (os) alunas (os), como temos inserido perspectivas mais críticas, mais sintonizadas com o tempo presente e as demandas sociais. É urgente que nós, profissionais da Psicologia, façamos o exercício entre o micro e o macro, para não nos perdermos em uma clínica sem visão do mundo social, e vice-versa.

 

Lenise Santana Borges, mestra pelo Institute of Woman and Development (1995), doutora em Psicologia Social pela PUC/SP (2008), professora da graduação e pós-graduação do curso de Psicologia da PUC/ GO, co-fundadora e coordenadora do Grupo Transas do Corpo (1987). Contato: esinel@uol.com.br

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Grupo Transas do Corpo
Ações educativas em gênero,
saúde e sexualidade.