noticias Publicado em 19 de abril de 2012
Índias levam bandeiras feministas às aldeias e assumem dianteira do movimento
Nascidas em aldeias indígenas no Acre, Letícia Yawanawá, 49 anos, e Nazaré Apurinã, 48, mudaram-se para Rio Branco nos anos 1980 para acompanhar os maridos, que despontavam como líderes em suas comunidades e buscavam completar os estudos na capital do Estado.
Por influência deles, começaram a se interessar pelo movimento indígena, que à época pressionava o governo pela demarcação de terras. Mas num dos primeiros encontros que presenciaram, entre líderes da hoje extinta União das Nações Indígenas do Acre e Sul do Amazonas (UNI), elas estranharam a composição da mesa de debates.
“Havia mulheres trabalhando como secretárias, assessoras, mas eram todas brancas”, lembra Yawanawá. “Então questionamos por que não poderíamos participar.”
A reivindicação cresceu e, em 1996, Yawanawá e Apurinã resolveram se unir a outras duas índias para discutir formas de melhorar a vida de mulheres nas comunidades.
“Pela tradição, não tínhamos autonomia nas aldeias. Mas quando os líderes viajavam para a cidade para participar de reuniões, quem ficava tomando conta éramos nós. Precisávamos ter mais voz”, diz Apurinã.
Entre os pleitos do grupo estava fazer com que as mulheres pudessem participar de decisões que vão desde a escolha do local para o roçado à definição do líder do grupo.
Início
O início não foi fácil, porém. Apurinã diz que os homens encararam o gesto como uma afronta.
Para pôr fim à desconfiança, elas convidaram os homens ao primeiro grande encontro da organização, em 1998, no qual 200 índias compareceram. “Queríamos mostrar que nosso objetivo não era competir, mas somar forças”, afirma Apurinã.
As reuniões prosseguiram e, seis anos depois, o grupo foi formalizado com a criação da Organização das Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia (Sitoakare), que hoje tem Apurinã como coordenadora e Yawanawá como vice.
Hoje, passados 16 anos desde o início de sua luta, elas dizem que a situação das mulheres nas aldeias ainda deixa muito a desejar.
“Mas já há mulheres caciques e pajés. E passamos a influenciar nas decisões”, afirma Apurinã.
“É difícil deixar um filho na aldeia, com o pai, para participar de um encontro em cidade, mas isso já começa a ser feito. O movimento nos fez sair das quatro paredes.”
Causas tradicionais
Além de pregar mais voz para as mulheres nas comunidades, o grupo tem atuado em prol de causas indígenas tradicionais, como demarcação de terras e melhores condições de educação e saúde. E com a extinção em 2005 da UNI, a principal organização indígena da região, afundada em acusações de desvio de recursos destinados à saúde indígena, elas têm assumido a dianteira do movimento.
Segundo Apurinã, ainda há 17 Terras Indígenas a serem demarcadas na região. Quanto às condições de saúde nas aldeias, diz que são precárias porque o governo não aplica os recursos disponíveis.
“Visitamos comunidades em que todos estão doentes. Não dá para convidá-los a participar de nada”, afirma, queixando-se da falta de medicamentos nas unidades de apoio mais próximas das aldeias e dos longos intervalos entre visitas de agentes de saúde.
“Quando um índio que não fala português direito vai a um hospital, há dificuldade imensa para fazer o diagnóstico”, diz.
Ela cita ainda problemas de saneamento básico nas aldeias e poluição nos rios, que têm provocado doenças entre os índios.
A educação também recebe críticas: segundo Apurinã, apenas cerca de 10% das aldeias têm escolas até o ensino médio.
“Não há incentivo para que os jovens façam faculdade. Quem vai à cidade fica por conta própria, sem apoio algum. Tem que limpar quintal para ganhar algum dinheiro, e às vezes volta para a aldeia antes de concluir o curso”, conta.
Com o espaço conquistado nos últimos anos, as líderes dizem ter recebido propostas para trabalhar no governo. Mas recusaram: “Preferimos continuar no movimento, às vezes sem ter dinheiro para comer, mas também sem rabo preso”, diz Yawanawá.
“Muitos líderes tradicionais foram aliciados pelo governo para se calar, em troca de um salário. Mas, nas aldeias, apontam para a gente e dizem: vocês são nossa esperança. Isso nos dá forças”, relata.
João Fellet
Fonte: BBC Brasil