noticias Publicado em 27 de abril de 2011

Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas

Por Groselha News

 

Hoje, 27 de abril, é Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas. A OIT e seus parceiros, como a SPM e a SEPPIR, relançarão a campanha: “Respeito e Dignidade para as trabalhadoras domésticas: uma profissão como todas as outras”.

É claro que apoio uma campanha que pede respeito e dignidade, porém, o trabalho doméstico não é uma profissão como todas as outras no Brasil. Numa sociedade socioeconômica extremamente desigual, a figura da empregada doméstica carrega o peso do Brasil colonial, marcado pela escravidão. É nessa época que a cultura em relação ao trabalho doméstico se firma, marcado pelo racismo e pelo machismo, trazendo consequências até hoje. Muitos ainda vêem a empregada doméstica como escrava, inferior e que merece ser humilhada. Não deixe de conferir o tumblr. Tragédia da Empregada.

A Cara da Trabalhadora Doméstica

A reportagem Muheres negras de baixa escolaridade são maioria no emprego doméstico em São Paulo, revela a cara do emprego doméstico brasileiro: mulher, negra que não concluiu o ensino fundamental. Na maioria dos casos, trabalhar como empregada doméstica não é uma opção, mas sim o único jeito de ganhar algum dinheiro. Daí advém a exploração e o ranço de nosso passado colonial. Na verdade, em nosso país, a empregada doméstica é invisível.

Do total de mulheres que trabalhavam na Região Metropolitana de São Paulo em 2008, 16,3% realizavam serviços domésticos. As mulheres ocupavam 45,1% do total de postos de trabalho da região metropolitana. Entretanto, representavam 95,4% do total de pessoas que prestam serviços domésticos. Em 2008, 52,9% das empregadas domésticas eram negras, em 2007, esse número era de 55,5%. Com relação à escolaridade, 61% das domésticas não concluíram o ensino fundamental e 20,9% não terminaram o ensino médio. Outras 17,9% têm o ensino médio completo ou o ensino superior incompleto.

A Empregada Doméstica e a Diarista

O trabalho de diarista é o que mais se assemelha com outras profissões de house maid no mundo. Pois ela tem horário flexível, cobra por hora, trabalha em diversas casas, é mais independente e tem maior poder de negociação. Estaria na categoria de trabalho autônomo, mas ainda possui inúmeras dificuldades para ser regulamentada e ter direito a aposentadoria e outros benefícios sociais do trabalhador. Ganham em autonomia, mas perdem em proteção social. A empregada doméstica que trabalha em apenas uma casa e, especialmente aquela que dorme no serviço, sofre mais com a exploração de seu trabalho. Geralmente não tem horário fixo, podendo ser solicitada a qualquer momento. Fora o costume que muitas pessoas tem de trazerem jovens meninas de cidades pobres para trabalharem em suas casas, sem pagamento de salário digno, fazendo o serviço doméstico como um favor em troca de casa e comida.

O trabalho de diarista não põe fim a relação de exploração que existe no trabalho doméstico. Transformar a situação atual das trabalhadoras domésticas significa ultrapassar preconceitos, estereótipos e discriminações que pesam sobre essa atividade. Porém, pelos dados é possível ver que entre as diaristas há um maior equilíbrio entre negras e não-negras. Além de ganharem mais pela hora de trabalho.

Segundo os dados da pesquisa, em 2008, 72,1% das domésticas eram mensalistas, das quais 39,3% negras e 32,8% não-negras. As diaristas correspondiam a 27,9%, das quais 13,7% negras e 14,3% não-negras. O estudo também apontou que a hora de trabalho das domésticas em 2008 correspondia a R$ 3,28. As diaristas ganhavam R$ 4,27 por hora, as mensalistas com carteira assinada R$ 3,46 e as mensalistas sem registro em carteira R$ 2,60.

A Empregada Doméstica e o Feminismo

O trabalho doméstico compreende inúmeras funções culturalmente femininas: cuidados com o lar, idosos e crianças, limpeza, arrumação, cozinha, etc. Mesmo havendo homens jardineiros, faxineiros ou motoristas, a grande parcela dessa atividade é feita por mulheres. A luta de classes torna-se questão fundamental dentro do movimento feminista quando o foco é o trabalho doméstico, culturalmente desvalorizado na sociedade patriarcal.

Do ponto de vista da oferta, o aumento da desigualdade e da pobreza levou muitas mulheres à atividade remunerada, assim como à recente feminização da migração internacional. O trabalho doméstico mantém-se, particularmente nas situações de crise e nos mercados de trabalho desestruturados e com escassa oferta de postos, como uma importante porta de entrada para as jovens de menores rendimentos. Nas últimas décadas, o crescimento da participação das mulheres em todos os segmentos no mercado de trabalho é um fato mais tradicionalmente reservado às mulheres e também nos mais refratários, como certos setores da indústria, da produção científica ou da construção civil. Nesse período, o trabalho doméstico continuou a desempenhar um papel relevante na ocupação feminina, mantendo-se entre as principais categorias ocupacionais das mulheres no mundo.

O movimento feminista que reivindicou direitos as mulheres, no início dos anos 60, nasce dentro da classe média e é marcado pela atuação da mulher branca. Mulheres pobres, em sua grande maioria sempre tiveram que trabalhar, pois muitas vezes não havia um marido para sustentá-las. Especialmente na América Latina a libertação dessa mulher branca de classe média, passa pela utilização do trabalho doméstico da negra pobre. Isso ocorre porque no âmbito íntimo da casa a divisão de tarefas não se concretizou. As mulheres saíram para trabalhar, mas tiveram que arrumar outra mulher para cuidar da casa. E esta mulher explorada possui dupla jornada cuidando de duas casas.

Pode-se dizer que, para as mulheres latino-americanas, a libertação sexual teve soma zero. Algumas tornaram-se mais livres e outras, mais exploradas, e as perdas de umas anularam os ganhos das outras. Nada mudou, especialmente para os homens, que não perderam nada: continuam tendo suas cuecas passadas a ferro e seus bifes fritos no ponto exato, não importando pela mão de quem.

O Fortalecimento da Profissão

Dentro dessa questão entre feminismo e emprego doméstico, vejo-me na seguinte situação: contrato uma diarista sem carteira assinada e sem contrato de trabalho que vem à minha casa uma vez por semana. Sei que ela contribui como autônoma para a previdência social e recentemente fez um plano de previdência privada. Ela está com quase 40 anos e possui quase 20 anos nessa profissão. O nome dela é Marisa e mora na divisa entre o Distrito Federal e Goiás.

Uma argumentação possível acerca da desvalorização econômica do trabalho doméstico é que ele não gera mercadorias e não produz mais-valia, sendo assim, trabalho improdutivo. Contudo, este deve ser distinguido não pelos seus produtos, mas pelas suas relações de produção, distintas da produção de valor, afinal, a força de trabalho só é capaz de reproduzir-se através do consumo dos valores de uso produzidos pelo trabalho doméstico. Melo, Considera e Di Sabbato (2007) apontam que esse trabalho não é contabilizado no Produto Interno Bruto (PIB) dos países. Porém, analisando dados da PNAD/IBGE no período de 2001 a 2005, os autores concluem que o trabalho doméstico no Brasil corresponde a aproximadamente 11,2% dos PIB brasileiro no período citado. Ainda segundo os autores, esse não reconhecimento origina-se na histórica discriminação sofrida por aquelas que o exercem, reforçando a invisibilidade que caracteriza esse tipo de trabalho e a inferioridade do papel da mulher na sociedade.

Sou uma pessoa privilegiada que prefere pagar uma diarista a realizar uma parte do trabalho doméstico. Muitas vezes ouvi alguém dizer que pago a diarista o mesmo que uma pessoa recebe como estagiário. Porém, o estagiário em breve sairá dessa posição profissional e a Marisa? Atualmente, penso que erradicar o trabalho da empregada doméstica não seja a melhor solução. É interessante criar um mecanismo legal, como um contrato em que as funções e condições de trabalho sejam claramente estabelecidas e assinar a carteira de trabalho. Num país em que as desigualdades sociais e econômicas ainda são abissais e a educação pública precária, é complicado modificar radicalmente um trabalho tão arraigado. Porém, o fortalecimento da profissão pode ser um meio para a melhoria das condições de trabalho, da independência financeira dessas mulheres e para novas oportunidades.

É interessante que a medida que a profissão cria sindicatos, associações e outros órgãos de defesa, fortalece seus direitos e cria reconhecimento, vemos do outro lado uma reação contra o fim de certos privilégios, com a criação de um grupo antiterrorismo de empregadas ou a “importação” de babás paraguaias. A Lei Auréa não foi capaz de sepultar nosso passado escravista, porém talvez esteja na mobilização das empregadas domésticas por respeito, dignidade e direitos uma oportunidade de mudar a configuração de uma profissão tão estigmatizada.

30anos
Grupo Transas do Corpo
Ações educativas em gênero,
saúde e sexualidade.