noticias Publicado em 18 de abril de 2021

Rurany Esther Silva (1953-2021)

Rurany em 1989

Assistente Social, sanitarista, feminista. Anos de trabalho dedicados à causa das mulheres numa trajetória que passa pelas Secretarias Municipal e de Estado da Saúde (Goiânia e Goiás, respectivamente), pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, em Brasília (DF), sua última atuação, como Coordenadora Geral de Saúde da Mulher.

No Grupo Transas do Corpo, organização que construiu junto com as fundadoras, permaneceu por 15 anos, até sua saída para o Ministério da Saúde. Estamos aqui reunidas, nesse texto a dez mãos, para recuperar alguns momentos desta história da Rura conosco no Transas.


Rurany com equipe do Transas em 1989

Em 1988, quando o Transas tinha apenas um ano de idade, conhecemos Rurany nas atividades desenvolvidas no âmbito do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Fazíamos oficinas educativas em saúde e sexualidade e ela participou de uma delas, nascendo daí um entrosamento que culminaria em sua entrada no grupo. Então, foram anos que se seguiram de muitos projetos, dos quais não gostaríamos de registrar apenas fatos, como num relatório, mas ressaltar alguns momentos, situações e, com isso, dar a quem nos lê um perfil desta amiga tão querida e de características pessoais tão peculiares. O trabalho conjunto de muito tempo deu oportunidade de nos descobrirmos e nos respeitarmos. Gerou a chance do aprendizado e da inspiração, mesmo depois, quando não estávamos mais juntas no dia a dia.

Rurany tabulando uma pesquisa na sede do Transas

Rurany no Curso de Educação Sexual Não Sexista, em 1994


Rurany na reunião do Conselho Diretor, em 2000.

Rura era uma aquariana destemida, autônoma, bem-humorada e de uma teimosia que nos deixava atônitas. Super responsável e trabalhadeira incansável, tinha uma memória péssima! E uma maneira de olhar e sorrir única. Sua verve política era conhecidíssima. E ela amava muito as mulheres. A imagem que fica da Rura é de uma mulher muito forte, guerreira, amorosa companheira e que batalhou incessantemente pelos direitos humanos e principalmente pela saúde das mulheres. Das muitas ações que organizou, a criação do Fórum Goiano de Mulheres é exemplar. Nós havíamos tentado algumas vezes, mas nenhuma de nós era capaz de compreender esse tipo de espaço no qual a articulação política é a tônica. E a Rura era uma articuladora política nata. Não só sabia disso como adorava esse lugar. Não temia reuniões intermináveis que, não raro, se prolongavam pelos bares ou restaurantes da cidade. Ela vivia essas relações intensamente. À frente da coordenação do Fórum por vários anos, foi responsável por construir com os grupos e movimentos locais, conferências, marchas, campanhas, reuniões com prefeitos, governadores e parlamentares, além de uma lista interminável de eventos alusivos ao 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher, que se transformou, para sempre e desde então, no mês das mulheres, com atividades distribuídas ao longo do mês de março.

Rurany com a equipe do Transas em 2000

Rurany na comemoração do aniversário do Transas em 2002

Rurany no lançamento do Dicionário de Mulheres, de Schuma Schumaher, em Goiânia, em 2000

Dentre todas essas lembranças sobre Rura, sua marca indelével era sua atitude de cuidado para com os grupos/pessoas, sobretudo mulheres com que ela se envolvia. Com sua mãe e as irmãs, pudemos entender melhor esse jeito matriarca/bruxa de ser. Seu gosto e facilidade para trabalhos comunitários e articulação política foram herdadas do matriarcado na qual foi criada, sua mãe tinha sido prefeita no Peixe, cidade do Tocantins.
Sempre foi assim, ela tinha muito prazer em ver todas as pessoas bem, mesmo que isso fosse feito com mais gestos do que palavras. Lenise foi agraciada com sua generosidade, achando sua primeira morada em frente prédio dela depois que ela deu todas as dicas e possibilidades de mudar para um apartamento na região em que habitava. Ela sabia que Lenise adorava viajar e se aventurar pela natureza então apresentou as belezas do Peixe à Lenise. Ela tinha um plano de se mudar para uma ilha depois que se aposentasse e tínhamos planejado passar algum tempo nesse paraíso. Enfim, ela sabia atravessar caminhos para chegar aos corações sem muitas palavras, aliando força e amorosidade. Não é à toa que sua passagem despertou tantos gestos de carinho e lembranças. Você saiu de nossas vidas como chegou, sem alarde. Nós que ficamos estamos mais tristes, porém preenchidas com tudo que atravessamos juntas.

Rurany na Marcha Mundial das Mulheres, em 2000, em Brasília

Rurany na Manifestação de rua do 8 de Março de 1993

Rurany no Encontro Nacional Feminista de 2000

Rurany nos marcou por muitos motivos, em especial, por sua força e solidariedade.
No movimento feminista, defendia de maneira forte, decidida e competente a conquista e o exercício dos direitos de todas as mulheres. Na convivência diária com suas parceiras, ouvia, cuidava, ajudava a fortalecer.

Rurany na comissão de organização do Encontro Nacional Feminista de 1991

Abineiar, Lenise, Rurany e Gilberta em evento feminista

Rurany no aniversário de 13 anos do Transas

Paralela à atuação no Transas do Corpo, ela nos fez companhia e nos apoiou em outras experiências – de trabalho e de prazer. Rura gostava de viajar. Com Eliane, foi visitar Lenise quando esta estava cursando o mestrado na Holanda, em 1995. Juntas, as três passearam por seis países em 30 dias. Por anos seguidos nos convidou a passar férias de julho no Peixe, no acampamento da família, desfrutando de belas praias, comidas deliciosas e cenários paradisíacos. Ela adorava aquela região. Gelva, Lenise e Eliane foram juntas uma vez e não fosse uma arraia picar o pé de Eliane (que ficou imobilizada com a perna para cima na casa de Dona Sidônia, mãe da Rura, enquanto as amigas continuaram se divertindo na praia!), só haveria prazeres para relatar, como, por exemplo, ver ao mesmo tempo o pôr do sol e o nascer da lua cheia e depois, na escuridão imensa, ver aquele céu mais estrelado. Rura era, como todo mundo que a conheceu sabe, uma mulher de grande generosidade. E gostava de silêncio e, também, de pescar! Lenise e Gelva a acompanharam, certa vez, em uma de suas pescarias lá no Peixe, com as irmãs, no meio da madrugada… E também apreciava uma boa rede de balanço. Em uma viagem ao nordeste comprou 19! A rede para a Rura era um lugar onde a conversa era botada em dia, falávamos de tudo, política, feminismos, sexualidade, amores , família, economia.

Rurany com amigas do Transas num retiro de descanso

Eliane e Rura em Bruges (Bélgica), 1995

Rura na rede, acampamento no Peixe (TO)

Com Kemle, apoiou sua primeira atividade em consultório, como nutricionista, e foi uma das suas primeiras pacientes, até para dar uma força. Quando soube que Kemle não cobraria dela por ser sua amiga, não aceitou, de forma alguma. Disse que ela estava começando, tinha despesas e ela não se sentiria bem se não pagasse.
O primeiro encontro com Gelva foi na Faculdade de Serviço Social na Universidade Católica de Goiás , atual PUC, mais precisamente no Centro Acadêmico de Serviço Social e depois desse se tornaram amigas. Viajaram juntas várias vezes para Pirenópolis, Cidade de Goiás, e outros locais, alugavam casas e passavam finais de semanas nestas cidades, juntamente com outras e outros amigos, também acompanhadas pelas crianças e depois adolescentes filhas e filhos, sobrinhas/os, amigas das amigas, sempre tinha gente diferente. Nossas amigas eram boas cozinheiras e aproveitávamos dos bons pratos. Rura, Gelva e outras gostavam de comer e de lavar as vasilhas. Quando foi fazer parte do Grupo Transas do Corpo, Rura pode dividir com Gelva, já conhecida, e outras amigas a nossa descoberta coletiva do Feminismo.
Para Joana, que entrou no Transas só em 1993, ela foi uma referência fundamental. Rura levou Joana como aprendiz das suas articulações políticas em várias viagens, tanto na preparação da Conferência de Beijing, quanto na Regional Goiás da Rede Feminista de Saúde. Foram muitas oportunidades das duas serem aquarianas juntas! Rura era direta, honesta, firme, mas também bem-humorada e paciente. A melhor memória de todas é a Rura rindo e sendo precisa nos seus comentários!

Rurany com equipe do Transas em 2001

Rura numa das muitas viagens com as amigas, Praia das Fontes (Ceará), 1991

Ficamos bastante impressionadas, mas não surpresas, com sua enorme capacidade de nos consolar, tranquilizar, assim que soubemos de seu adoecimento. Ela continuava, assim, cuidando das mulheres, suas amigas, sua família. A alegria foi imensa quando ela aceitou ser cuidada e Kemle pode, por algumas vezes, a partir da aplicação de Reiki, retribuir a essa querida amiga, um pouco do cuidado e amorosidade que ela sempre destinou a todas nós.
Somos muito gratas por termos feito parte da marcante história de Rurany Esther Silva. Que ela possa viver em nós, nos despertando para a força e solidariedade tão essenciais para a vida, principalmente no nosso Brasil atual, onde fará muita falta.

Salve, Abelha Rainha!

30anos
Grupo Transas do Corpo
Ações educativas em gênero,
saúde e sexualidade.