noticias Publicado em 4 de agosto de 2011
Lei foi feita para defender mulher, não homem, diz Maria da Penha .
Farmacêutica que deu nome à lei contra a violência doméstica diz que norma combate ideia de que homem é superior a mulher
Existem leis que vêm apenas para formalizar o que já acontece na sociedade, como a lei do divórcio (as pessoas já se separavam, só não existia lei para isso), e existem as leis que tentam mudar a maneira como as pessoas vivem, como é o caso da lei que obrigou o uso do cinto de segurança. A lei que completa cinco anos no dia 7 de agosto faz parte deste segundo grupo.
Criada com o nome da farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, a lei que combate a violência contra a mulher tem sido aplicada nos últimos anos para educar homens e mulheres de que não é normal, aceitável ou justo bater ou apanhar. Que não há nada de errado em denunciar uma agressão. É por isso que Maria da Penha revelou, em conversa com o iG, não gostar muito de ver a lei homônima ser usada a favor de homens, seja em relações homossexuais ou heterossexuais.
“Sempre foi dado ao homem o direito de ser superior a mulher. Essa lei veio para equiparar os direitos”, defende. Ela acrescenta que nos casos em que o homem é agredido, vale a legislação comum. “A lei trata de gênero. É como se um juiz usasse o Estatuto do Idoso para defender os direitos de uma criança ou de um adolescente. São contextos completamente diferentes”, compara.
Maria da Penha deu nome à lei porque se tornou símbolo da luta contra a violéncia: ela lutou durante 12 anos para que seu ex-marido, que a deixou paralítica com um tiro, fosse finalmente punido pela Justiça.
“A lei foi criada para qualquer relacionamento parental, desde que a agressão parta do homem contra a mulher. Pode ser um tio, um irmão, o pai, enfim. Se uma mulher bateu no homem, ela não vai ficar impune. Ela vai sofrer uma pena, vai ser aberto processo com base no Código Penal comum. Na relação entre casais homossexuais vale o mesmo”, argumenta. ““E você a de convir que a mulher que bate em um homem faz um estrago muito menor. O potencial agressor é menor, além do problema do medo. A mulher tem medo de denunciar porque sabe das conseqüências”, conclui.
A justiça
Em 2007, o juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas (MG), “revogou” a aplicação da lei nas áreas sob sua responsabilidade. Em uma senteça, ele escreveu: “Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (…) O mundo é masculino! A ideia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!”. E completava dizendo que “para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões”. Após ser afastado, colegas do juiz afirmam que ele se arrependeu da sentença e mudou de opinião.
Os cinco anos da Lei Maria da Penha
O caso certamente é um extremo, mas ilumina algumas das dificuldades em aplicar a lei País afora. Maria da Penha, que fundou um instituto com seu nome para defender mulheres que foram vítimas de agressão, afirma que o número de juizados especiais e delegacias da mulher é insuficiente para atender o grande número de casos.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, hoje existem apenas 70 Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher no País – que foram criados pela lei. “A lei foi sancionada, mas a política pública de atendimento também precisa ser criada. Os juizados da mulher, com raras exceções, estão presentes no interior. Eles existem nas capitais, mas são poucos”, lamenta. Em Fortaleza, onde ela vivia quando foi agredida, existe apenas um juizado do tipo para atender a uma população de 2,5 milhões de habitantes.
A jovem Maria da Penha: ela demorou 12 anos para conseguir punir o ex-marido
A falta de juizados se reflete na lentidão com que caminham os processos relacionados a violência sofrida por mulheres, alerta Maria da Penha. Mais de 330 mil processos tramitam no Brasil atualmente e aproximadamente 77 mil sentenças foram proferidas a partir da Lei Maria da Penha. “Essa morosidade é mais um desrespeito à mulher. É uma resistencia da cultura da maioria dos gestores, que não têm comprimisso com as causas da mulher. Eles possuem as estatísticas, mas não trabalham para aumentar a estrutura”, conta ela.
Para Maria da Penha, esse é um problema que reforça a certeza do agressor de que não será punido. “Só a lei, por si, não inibe. Ela só vai inibir o agressor se ele tiver conhecimento de alguém próximo que foi enquadrado. Aí ele pensa duas vezes. Mas se apenas ouviu falar da lei, não vai parar”.
Ela também critica a carência na estrutura de apoio ao Judiciário. Desde que a lei entrou em vigor, ocorreram 1544 prisões preventivas e 7555 prisões em flagrante em todo o País. No Brasil inteiro, existem apenas 388 delegacias especializadas no atendimento à mulher, 193 centros de referência e 71 casas para abrigo temporário para as vítimas que precisam sair de casa por conta das ameaças. “A Delegacia de Mulher de Fortaleza foi criada em 1986. Hoje ela registra mais boletins de ocorrência do que todas as delegacias distritais da cidade juntas”, compara.
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Ela pondera que o número de denúncias aumentou não porque cresceu o número de casos de agressões, e sim pela existência de um instrumento legal capaz de punir ações violentas. “O que não podemos permitir é frustrar a mulher que confia nesse instrumento”, defende. “Pelo histórico, a mulher nunca denuncia o primeiro grito, o primeiro empurrão. Quando ela tem os documentos ou as roupas rasgadas. Quando é desmoralizada perante qualquer situação. É quando ela sofre, que fica realmente machucada, ou quando começa a ver seu filho ser agredido, é nesse momento em que ela vai denunciar. E ela já vai muito machucada fisicamente e psicologicamente. É por isso que ela precisa ter um atendimento digno.”
Com a experiência acumulada em inúmeras viagens pelo País, Maria da Penha conseguiu identificar os sinais de alerta dos agressores: “Elas sempre atribuem o comportamento ciumento quando estão namorando ao zelo. Mas ela precisa observar os sinais. Se bebeu uma cerveja e a maltrata em público, e depois pede perdão, acredite, ele vai continuar fazendo”.
Fonte: Daniel Aderaldo, iG Ceará