artigos Publicado em 1 de outubro de 2010
Aborto é Uma Decisão da Mulher: nem da Igreja, nem do Estado
As mulheres, com suas lutas, avançam em várias direções nos espaços da sociedade e isto foi sentido e reconhecido por meio das mudanças comportamentais do último século. Precisamos lembrar, no entanto, que mulheres que estão ascendendo a melhores condições de vida, com acesso à educação, saúde, etc. são minoria. No continente latino-americano, por exemplo, milhões de mulheres estão desempregadas ou em trabalhos precários, são a maioria dos pobres, morrem em decorrência da precariedade de políticas públicas específicas, e outras mazelas. Ainda assistimos ao drama da mortalidade materna que poderia, em 90% dos casos, ser evitada com políticas públicas adequadas
O fantasma que permanece e se alastra com sua sombra assustadora são as instituições religiosas, onde crescem os setores conservadores e fundamentalistas que agem impedindo a efetivação de leis e políticas que mudem este quadro. Além de agirem internamente nos países dificultando a elaboração de políticas públicas que tratam da saúde reprodutiva e sexual, se articulam também em nível internacional, juntando forças poderosas como o presidente norte-americano e o Vaticano. Apesar das diferenças existentes entre eles, para fazer valer seus dogmas e tradições contrários aos direitos sexuais e reprodutivos, se unem, como fizeram na última “cruzada” contra os direitos civis dos homossexuais. Neste caso, o Vaticano motivou seus membros a influenciarem as políticas internas de outros países, numa clara política de ingerência em outros países.
Felizmente, ao mesmo tempo que vemos avançar posturas conservadoras, podemos constatar também alguns avanços significativos e até bem pouco tempo inimagináveis, como a aceitação da união civil em Buenos Aires/Argentina; a legislação uruguaia que passou a permitir o aborto e, no Brasil, o Ministério da Saúde passou a distribuir preservativos em escolas de alguns Estados para jovens a partir dos 15 anos. Estas conquistas são importantes e indicam que cresce na população a consciência da não discriminação e dos direitos reprodutivos e sexuais, como direitos humanos
Aqui no Brasil, apesar de termos um governo oficialmente laico e comprometido com as lutas sociais, a presença de pessoas ligadas a diversas denominações religiosas nos seus quadros é bastante perceptível, gerando preocupação sobre a garantia da laicidade do mesmo.
Atentas a situação da saúde reprodutiva em toda a América Latina, em especial a situação das mulheres, que continuam morrendo em decorrência do aborto clandestino, a coordenação latino-americana das Católicas pelo Direito de Decidir realiza atividades que dão visibilidade a um traço comum na maioria dos países que é a influência dos setores religiosos fundamentalistas nas políticas governamentais de saúde.
A ingerência religiosa nas políticas públicas de saúde sexual e reprodutiva limita o acesso a estes direitos, ameaça a atenção à saúde da população, colocando em risco programas como o de Planejamento Familiar e serviços de atendimento à interrupção da gravidez previstos em lei. Dificulta o debate sobre a legalização do aborto, restringindo a discussão à questão moral, impondo assim um controle sobre o corpo das mulheres. A sociedade, em especial as religiões, devem reconhecer a mulher como sujeito, com condições morais e éticas para tomar decisões responsáveis sobre o próprio corpo e sua maternidade. Aborto é uma decisão da mulher: nem da Igreja, nem do Estado.
Como mulheres católicas, comprometidas com a defesa dos nossos direitos, queremos engrossar as manifestações em defesa da descriminalização do aborto em nosso continente e, claro, em nosso país. O Estado deve dirigir suas ações políticas visando a garantia dos direitos das pessoas, e fazer isso respeitando os acordos e convenções dos quais são signatários, como os da Conferência do Cairo e de Beijing.
Acreditamos no direito à livre expressão religiosa, porém que estas manifestações não devam intervir na liberdade sexual e no exercício dos direitos reprodutivos de cidadãs e cidadãos.
*Responsável pela área de comunicação da ONG Católicas pelo Direito de Decidir.
O Movimento Católicas pelo Direito de Decidir surgiu no Brasil em 1993, vinte anos após a criação do Catholics for a Free Choice, em Nova York. Em 1995, o movimento brasileiro constituiu-se como uma ONG e participa da Conferência de Pequim. O grupo surgiu da atuação de mulheres católicas comprometidas na luta social e identificadas com o ideário feminista. O objetivo era proporcionar o conhecimento de interpretações teológicas cristãs que afirmam como moral e eticamente válidas as decisões tomadas por homens e mulheres no campo da sexualidade e da reprodução