noticias Publicado em 16 de setembro de 2013
Morre Sunila Abeysekera, importante feminista defensora dos direitos humanos no Sri Lanka
Sunila Abeysekera, uma das feministas, mais surpreendentes e determinadad defensoras dos direitos humanos do Sri Lanka, faleceu na segunda-feira 09 de setembro, em Colombo (Sri Lanka), com a idade de 61. Sunila sofria de câncer.
Leia o texto de Maria Lúcia Macedo Cardoso sobre Abeysekera e outros links sobre a feminista.
O céu ganhou mais uma estrela, recebida de braços abertos pelo Cristo
No mesmo momento em que Sunila se desgarrava da terra lá em Colombo no Sri Lanka, aqui no Rio pudemos vê-la chegando sorrateira no canto do sorriso da lua.
Estranha sensação essa, de viver o luto de uma pessoa querida, reconhecida em vários cantos do mundo, sem que ninguém em volta tenha ideia de quem foi. Então, achei que valia a pena contar, não apenas para vivenciar meu luto, mas para que, aqui no Brasil, conheçam um pouco do brilho de Sunila antes de ter virado estrela.
Encontrei Sunila há exatos 20 anos atrás, em Haia, na Holanda; estudamos durante um ano e meio no Institute of Social Studies, o curso Women and Development. Lá encontrei mulheres de países que nunca havia ouvido falar. Histórias que não tinha ideia que existiam. Ideias que marcaram minha história.
Num inglês doce e sereno, quase paciente como uma mãe, Sunila contava a violência de um país em guerra, a luta incansável por fazer valer os direitos humanos, os horrores da vida das mulheres, e de um feminismo que partia de patamares que desconhecia. Com a mesma serenidade, aliada ao humor e ao encantamento, explorávamos juntas uma Holanda despretensiosa e segura. Vivíamos a bolha, como dizíamos.
Nos debates em sala de aula, logo me ensinou sua principal lição: os limites do relativismo. Lição que ganhava concretude nos relatos, nas marcas dos rostos, nos olhos foscos que nossas colegas testemunhavam ou nos descortinavam. Sunila me mostrou, com a didática do vivido, que os limites do relativismo são os direitos humanos. E que direitos humanos têm uma densidade que dá sentido ao futuro, à humanidade. O mundo para mim cresceu, tornou-se infinito e íntimo.
Foi com a experiência de resgatar mulheres violadas em seus direitos pela guerra, que reconheceu em meu caderno um sinal de alerta. Acionou os amigos e acabei sendo também resgatada. Talvez de um naufrágio eminente.
Foi ao Rio enquanto estávamos em Haia. Conheceu minha família, passeou pela mata da cidade. Trouxe Paratodos de Chico Buarque, de quem era fã. CD que embalou meu resgate.
Mantivemos contatos esparsos, em tempos que o e-mail apenas começava. Voltei a encontrá-la no Fórum Social Mundial que ocorreu em Mumbai, Índia. Havia se passado 10 anos, era 2004. Sabia que Sunila estaria lá, e busquei-a em meio a tendas de ráfia e nuvens de poeira, com a ansiedade de encontrar a amiga querida. Encontrei a amiga sim, com a mesma doçura, serenidade e humor. E também conheci uma personagem importante da história recente da Ásia, assediada por repórteres e grupos ativistas, falando para grandes plateias ou em debate com grupos que pertenciam a minorias absolutamente desconhecidas por nós, latino-americanos. E Sunila tão familiar. Me emocionou. E por que não dizer… estava orgulhosa de ter uma amiga famosa, reconhecida por sua ação, por suas crenças, por sua capacidade intelectual e política de afirmar a humanidade.
Mais tantos outros anos se passaram. Um encontro em Londres, outro no Rio, poucos e-mails. Sunila sempre procurou manter contato com o grupo de Haia, de 1993. Celebrar a amizade, como dizia. Nos vimos a última vez no Rio, em 2009. Passeamos pela cidade, conversamos degustando a paisagem da lagoa, numa noite morna de primavera. Velhas amigas, falando das coisas essenciais da vida, dos últimos anos, da mesma forma que falamos da comida, das notícias dos amigos, das famílias, das ideias que nos mobilizam, dos amores, dos planos, dos sonhos, dos desejos. Troca de presentes e carinhos. Contou da deliciosamente estranha sensação de viver sem estar em guerra. Contou do Tsunami, e do orgulho e medo da filha que ajudava as vítimas. Contou que estava voltando ao ISS, como professora. E, numa contexto que definitivamente não me lembro, falou uma frase que ficou estranhamente gravada em minha memória: I am Buddhist. I believe in reincarnation.
Meses depois ficou doente. Quatro anos depois virou estrela.
Qualquer dia, volta a acontecer de ser gente, diferente das estrelas…
Maria Lúcia de Macedo Cardoso
Rio, 11 de setembro de 2013.
Para conhecer um pouco das ideias e ações de Sunila Abeysekera, sugiro os seguintes sites:
http://www.opendemocracy.net/5050/sunila-abeysekera/brutal-manifestation-of-patriarchy
https://www.facebook.com/notes/kamayani-bali-mahabal/rip-sunila-abeysekera-friend-and-sri-lankas-award-winning-human-right-activist/10153256694010179
http://www.iss.nl/news_events/iss_news/detail/article/52983-passing-away-sunila-abeysekera/