noticias Publicado em 21 de novembro de 2011
O governo da primeira presidenta não é um governo para as mulheres!
“No meu país, a mulher tem sido fundamental na superação das desigualdades sociais. Nossos programas de distribuição de renda têm nas mães a figura central. São elas que cuidam dos recursos que permitem às famílias investir na saúde e na educação de seus filhos. Mas o meu país, como todos os países do mundo, ainda precisa fazer muito mais pela valorização e afirmação da mulher”.
Eu fiquei muito emocionada com esse discurso da presidenta Dilma na Assembléia Geral da ONU, em setembro deste ano. Achei que por reconhecer os desafios a presidente estaria disposta a bancar um governo sensível às questões de gênero. Mas parece que outras coisas estão sendo colocadas como prioridade e, pelo planejamento do governo, os próximos quatro anos serão desafiadores até em relação àquilo que já conquistamos.
Ameaças às Secretarias de Governo
Quando vi a primeira nota na internet sobre o fim das Secretarias de Políticas para as Mulheres (SPM) e de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial (SEPPIR) achei que era fofoca, só boato. Mas a coisa se espalhou e os movimentos começaram a entrar em pânico.
As secretarias são tão importantes para os movimentos negros e feministas porque elas representam o compromisso por parte do Estado de efetivar políticas voltadas para as mulheres e xs negrxs. Nos seus muitos anos de luta, o movimento feminista e o movimento negro já provaram que há determinadas formas de opressão e discriminação que impedem que a igualdade, valor tão aclamado desde a Revolução Francesa, se efetive. O Estado tem, nesse caso, papel fundamental, porque como é ele que controla os recursos públicos e é ele que pode elaborar as políticas públicas.
O problema de acabar com as secretarias é que isso pode significar uma redução do número de políticas específicas, assim como redução do orçamento destinado a estas áreas. Além disso, sob o Guarda-chuva “Direitos Humanos”, mulheres e negrxs perdem visibilidade. Tem até uma discussão no campo do Direito sobre isso (eu nunca consigo achar referência pra isso, mas eu juro que tem, ta?).
Orçamento Público*
O primeiro ano de Governo é bem importante para que saibamos o que deve acontecer durante os próximos 4 anos em termos de políticas públicas. Nesta época o Executivo manda para o Congresso o Projeto do Plano Plurianual, onde são estabelecidos os programas e metas do governo para todo o mandato d@ president@ eleita. Este ano, o PPA 2012-2015 já está no Congresso. Ainda que tenha incorporado várias demandas dos últimos dois Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres, ele demonstra que o governo não está realmente interessado em enfrentar as desigualdades de gênero e raça, especialmente nas áreas de violência e saúde.
Violência e Autonomia: A luta contra a Violência contra as Mulheres é pauta histórica do movimento feminista. Nos governos anteriores, era também o principal programa da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Neste ano o governo resolveu reduzir o número de Programas previstos no PPA e simplesmente juntou os dois programas da SPM em um só. Adivinhem só: Enfrentamento à Violência e promoção da Autonomia ficou sendo o único programa da Secretaria.
Isso é bem ruim porque torna mais difícil pra gente saber exatamente o que a Secretaria vem fazendo em cada uma das áreas, e prejudica o controle social e o aprofundamento da discussão sobre as conquistas para o movimento.
Como disse a feminista Gilda Cabral em texto publicado no Correio Braziliense:
“Não basta analisar as intenções do governo, expressas no PPA. Precisamos ter instrumentos para avaliar a efetivação de políticas públicas e se as ações do governo trouxeram condições para o bem viver das pessoas. Se enfrentaram as desigualdades sociais, de gênero e de raça/etnia. Quais prioridades e compromissos o governo cumpriu? Quanto gastou para isso?”.
Saúde: No início do governo também se fez muito alarde sobre o Programa Rede Cegonha e as feministas logo disseram que apesar de ser importante o Programa não atende as mulheres da forma como poderia. Além disso, o programa de novo silencia sobre o maior problema de mortalidade materna: o aborto.
As maiores usuárias do SUS são as mulheres e as crianças, mas isso não deve significar que as políticas de saúde delas tenham que sempre andar juntas. Desde a época das coordenadorias materno-infantis observa-se sempre a preocupação com a saúde da mãe e não da mulher. O montante previsto para a execução do Programa em 2012 é de apenas 0,4% dos recursos da saúde, cerca de 270 milhões de reais.
Bolsa Família: No dia 7 de março deste ano a presidenta disse no programa de rádio “Café com Presidenta” que o reajuste de 19,4% no Programa Bolsa Família abriu as comemorações do Dia Internacional da Mulher. O problema é que o Bolsa Família não beneficia as mulheres.
Trata-se de um programa executado pelas mulheres, mas está longe de garantir a autonomia econômica das beneficiárias. Isso porque, ao mesmo tempo que as mulheres recebem o dinheiro, elas ficam responsáveis por todas as contrapartidas do Programa, o que reforça o seu papel na família e prejudica o tempo dedicado às outras atividades, como o trabalho. No desenho do programa também não há nenhum indicador para avaliação do impacto dele na vida das mulheres.
E por que isso é importante?
Como disse Amelinha Teles, “o feminismo ainda se impõe como uma necessidade histórica para a construção da democracia, da equidade de gênero e étnico-racial”.
Porque para que o país se desenvolva de forma efetiva, o Estado precisa garantir que avancemos na redução das desigualdades e garanta os direitos básicos para todxs xs cidadãxs. Dar atenção especial àqueles que frequentemente são excluídas na sociedade não é um reforço da descriminação e sim uma forma de garantir que seja possível convivermos com mais igualdade, apesar das nossas diferenças. E é importante acompanharmos e reivindicarmos nossos direitosm através dos mecanismos democráticos que temos.
*Tem muitos outros temas no Orçamento que merecem atenção. A Srta. Bia escreveu um post ótimo sobre creches e o CFEMEA também vem produzindo análises muito interessantes sobre os programas que mais interessam às mulheres, para quem tiver interessa.
Por: Priscilla Caroline, em Blogueiras Feministas