noticias Publicado em 25 de abril de 2012

Relator do STF vota pela constitucionalidade das políticas afirmativas da UnB

STF começou nesta quarta (25) o julgamento das ações contra cotas raciais em universidades públicas

 

Relator vota pela constitucionalidade das políticas afirmativas da UnB

 

Único dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a votar na sessão desta quarta-feira (25), o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186), ministro Ricardo Lewandowski, julgou totalmente improcedente o pedido feito pelo Partido Democratas (DEM) contra a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB). A sessão continuará amanhã (26), a partir das 14h, quando os demais ministros do STF deverão proferir seus votos.

Em um extenso e minucioso voto (leia a íntegra), o ministro Lewandowski afirmou que as políticas de ação afirmativa adotadas pela UnB estabelecem um ambiente acadêmico plural e diversificado e têm o objetivo de superar distorções sociais historicamente consolidadas. Além disso, segundo o relator, os meios empregados e os fins perseguidos pela UnB são marcados pela proporcionalidade e razoabilidade e as políticas são transitórias e preveem a revisão periódica de seus resultados. Quanto aos métodos de seleção, o relator os considerou “eficazes e compatíveis” com o princípio da dignidade humana.

“No caso da Universidade de Brasília, a reserva de 20% de suas vagas para estudante negros e ‘de um pequeno número delas’ para índios de todos os Estados brasileiros pelo prazo de 10 anos constitui, a meu ver, providência adequada e proporcional ao atingimento dos mencionados desideratos. A política de ação afirmativa adotada pela Universidade de Brasília não se mostra desproporcional ou irrazoável, afigurando-se também sob esse ângulo compatível com os valores e princípios da Constituição”, afirmou o relator.

Preliminares

O ministro Lewandowski iniciou seu voto afastando as preliminares de não conhecimento da ação levantadas e afirmou o cabimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental por considerá-la o meio mais adequado e hábil para sanar a lesividade apontada pelo Partido Democratas (DEM). Segundo o relator, para efetivar o princípio constitucional da igualdade, o Estado pode lançar mão de políticas universalistas (de grande alcance) e também de ações afirmativas, que levam em conta a situação concreta de determinados grupos sociais.

Lewandowski salientou que, ao contrário do que muitos pensam, a política de ações afirmativas não tem origem norte-americana. Ela surgiu na Índia, país composto por uma sociedade de castas, sob a condução do líder pacifista Mahatma Gandhi. Lembrando que o Brasil é uma sociedade marcada por desigualdades interpessoais profundas, o ministro afirmou que a adoção de critérios objetivos de seleção para ingresso dos cotistas nas universidades deve levar em conta o ganho social que esse processo acarretará na formação de uma sociedade mais fraterna.

Discriminação

Citando números do Ministério da Educação, o ministro Lewandowski lembrou que apenas 2% dos negros conquistam diploma universitário no Brasil e afirmou que aqueles que hoje são discriminados têm um potencial enorme para contribuir para uma sociedade mais avançada. O ministro iniciou a análise da constitucionalidade da seleção de candidatos por meio da adoção de critério étnico-racial afastando o conceito biológico de raça, por considerá-lo um conceito “artificialmente construído ao longo dos tempos para justificar a discriminação”.

Quanto ao argumento do DEM de que a inexistência cientificamente comprovada do conceito biológico de raça impediria a utilização do critério étnico-racial para seleção dos cotistas, o ministro Lewandowski lembrou que o Supremo já enfrentou essa questão ao julgar o Habeas Corpus (HC 82424), impetrado em favor de Siegfried Ellwanger, acusado do crime de racismo por ser o responsável pela edição e venda de livros fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias em relação à comunidade judaica.

Celeiros de recrutamento

“A histórica discriminação de negros e pardos, revela um componente multiplicador, mas às avessas, pois a sua convivência multissecular com a exclusão social gera a perpetuação de uma consciência de inferioridade e de conformidade com a falta de perspectiva, lançando milhares deles, sobretudo as gerações mais jovens, no trajeto sem volta da marginalidade social”, afirmou o relator. Ele ressaltou o papel integrador da universidade como principal centro de formação das elites brasileiras e sua transformação em celeiros privilegiados para o recrutamento de futuros líderes.

“Tais espaços não são apenas ambientes de formação profissional, mas constituem também locais privilegiados de criação de futuros líderes e dirigentes sociais. Todos sabem que as universidades, e em especial as universidades públicas, são os principais centros de formação das elites brasileiras. Não constituem apenas núcleos de excelência para a formação de profissionais destinados ao mercado de trabalho, mas representam também um celeiro privilegiado para o recrutamento de futuros ocupantes dos altos cargos públicos e privados no país”,  asseverou.

Para o relator, as políticas de ações afirmativas da UnB resultam num ambiente acadêmico plural e diversificado e servem para superar distorções sociais historicamente consolidadas. “O reduzido número de negros e pardos que exercem cargos ou funções de relevo em nossa sociedade, seja na esfera pública, seja na privada, resulta da discriminação histórica que as sucessivas gerações de pessoas pertencentes a esses grupos têm sofrido, ainda que na maior parte das vezes de forma camuflada ou implícita. Os programas de ação afirmativa em sociedades em que isso ocorre, entre as quais a nossa, são uma forma de compensar essa discriminação, culturalmente arraigada, não raro praticada de forma inconsciente e à sombra de um Estado complacente”, ressaltou o relator.
Informações prévias

A discussão sobre a constitucionalidade ou não da reserva de vagas em universidades públicas a partir de critérios raciais – as chamadas cotas – foi pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (25), a partir das 14h, e continua hoje com os demais votos. Serão julgadas a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 e o Recurso Extraordinário (RE) 597285, ambos de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3330, que contesta o Programa Universidade para Todos (ProUni), relatada pelo atual presidente do STF, ministro Ayres Britto. Está sendo o primeiro julgamento plenário da gestão do ministro Ayres Britto, que tomou posse na Presidência do STF na última quinta-feira (19).

O tema é polêmico e foi debatido em audiência pública realizada em março de 2010, com a participação de 38 especialistas de entidades governamentais e não governamentais. O ministro Lewandowski acolheu pedidos de participação no julgamento na condição de amigos da Corte (amici curiae) feitos pela Defensoria Pública da União, Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara), Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro (MPMB), Fundação Cultural Palmares, Movimento Negro Unificado (MNU) e Educação e Cidadania de Afrodescentes e Carentes (Educafro). O relator rejeitou, entretanto, pedidos idênticos feitos pela Central Única dos Trabalhadores do Distrito Federal (CUT/DF) e do Diretório Central dos Estudantes da UnB (DCE-UnB).

ADPF 186

A ação foi ajuizada em julho de 2009 pelo Partido Democratas (DEM) contra atos administrativos do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (Cepe/UnB). A UnB adotou critérios raciais para o ingresso de alunos na universidade pelo sistema de reserva de vagas. Os atos administrativos e normativos questionados determinaram a reserva de 20% do total das vagas oferecidas pela universidade a candidatos negros (incluindo pardos).

Na ação, o DEM alega que a política de cotas adotada na UnB fere vários preceitos fundamentais da Constituição Federal, como os princípios republicano (artigo 1º, caput) e da dignidade da pessoa humana (inciso III); repúdio ao racismo (artigo 4º, inciso VIII); igualdade (artigo 5º, incisos I) e legalidade (inciso II).

Considera ainda a ação que há ofensa aos princípios da impessoalidade, da razoabilidade, da publicidade e da moralidade, além de dispositivos que estabelecem o direito universal à educação (artigo 205); à igualdade nas condições de acesso ao ensino (artigo 206, caput e inciso I); à autonomia universitária (artigo 207, caput) e ao princípio meritocrático – acesso ao ensino segundo a capacidade de cada um (artigo 208, inciso V).

Pioneira

A UnB foi a primeira universidade federal a instituir o sistema de cotas, em junho de 2004, após cinco anos de debates. A ação afirmativa fez parte do Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial da UnB e foi aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. No primeiro vestibular, o sistema de cotas foi responsável por 18,6% dos candidatos. A eles, foram destinados 20% do total de vagas de cada curso oferecido.

A comissão que implementou as cotas para negros também foi responsável pelo convênio entre a UnB e a Fundação Nacional do Índio (Funai), assinado em 12 de março de 2004. Conforme o acordo, a cada semestre, dez indígenas aprovados em um teste de seleção ingressam na universidade. A oferta de cursos para esses alunos varia de acordo com as necessidades da tribo e a disponibilidade de vagas na instituição. A Funai oferece suporte de moradia aos indígenas e, em contrapartida, a UnB oferece apoio acadêmico para que eles permaneçam na instituição.

RE 597285

Este Recurso Extraordinário foi interposto pelo estudante Giovane Pasqualito Fialho, que não foi aprovado no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o curso de Administração, embora tivesse alcançado pontuação superior à de outros candidatos. Os concorrentes que tiveram nota menor foram admitidos pelo sistema de reserva de vagas para alunos egressos das escolas públicas.

Segundo o estudante, das 160 vagas para o curso, 30% foram destinadas a candidatos privilegiados em razão de sua etnia e condição social e 10 vagas a candidatos indígenas. Segundo o recurso, o sistema de cotas seria um “pacto da mediocridade”, além de ser crime de racismo a distinção no tratamento dos candidatos com base em critério étnico.

O estudante pediu a antecipação de tutela para a efetivação de sua matrícula na UFRGS, mas o pedido foi negado pelo ministro Lewandowski, até que a controvérsia jurídica seja resolvida. “Enquanto essa Corte não se pronunciar pela inconstitucionalidade desse sistema de admissão, presume-se a sua constitucionalidade”, disse o ministro, ao negar a antecipação de tutela, em maio de 2010.

Em setembro de 2009, o Plenário Virtual do STF reconheceu a existência de repercussão geral para a matéria. A Procuradoria Geral da República emitiu parecer pela constitucionalidade do sistema de reserva de vagas adotado pela UFRGS e, portanto, pelo não provimento do recurso.

Na UFRGS, o sistema de cotas passou a vigorar em 2008. Desde então, 30% das vagas são reservadas, sendo metade para alunos que tenham cursado todo ensino médio e pelo menos quatro anos do ensino fundamental em escolas públicas e metade para alunos autodeclarados negros, desde que também tenham vindo de instituições de ensino públicas. Os egressos de escolas públicas, no ato da matrícula, entregam à Comissão de Graduação da Universidade os certificados de conclusão de curso e históricos escolares. Os candidatos que se declaram negros, se aprovados, assinam uma autodeclaração étnico-racial junto à comissão.

ADI 3330

A discussão em torno de políticas afirmativas para a reserva de vagas por critérios sociais e raciais também chegou às universidades particulares com a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni). O programa foi instituído pela Medida Provisória 213/04, convertida na Lei 11.906/05, e está sendo questionado no Supremo por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3330.

A lei determina que, para receberem os benefícios do ProUni, as universidades privadas devem reservar parte das bolsas de estudo para alunos que tenham cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral, sendo que parte das bolsas deve ser concedida a negros, indígenas e pessoas portadoras de necessidades especiais.

No STF chegaram três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) questionando o Prouni. A principal delas, a ADI 3330, foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem), o Democratas (DEM) e a Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social (Fenafisp). Também chegaram ao STF outras duas ações, a ADI 3314 e a ADI 3379, ambas apensadas à ADI 3330. Em preliminar, os ministros consideraram que a Fenafisp não tem legitimidade ativa para propor a ação.

Segundo a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, a medida provisória que originou o ProUni não atende aos requisitos de “relevância e urgência” para sua edição, previstos no artigo 62, parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal, e ofende o princípio constitucional da isonomia entre os cidadãos brasileiros, além de desvirtuar o conceito constitucional de entidade beneficente de assistência social.

Em abril de 2008, o relator da matéria levou a ação a julgamento em Plenário. Em seu voto, o ministro Ayres Britto rechaçou um a um os argumentos contra o programa. Ele julgou a ADI 3330 improcedente e considerou o ProUni constitucional. Na avaliação de Ayres Britto, o programa é uma forma eficaz de combate a situações de desigualdade e reequilíbrio social. O julgamento foi então interrompido por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. A análise da ADI 3330 será retomada com esse voto-vista.

O programa

O ProUni tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior. Criado pelo Governo Federal em 2004, oferece, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas instituições de ensino que aderem ao programa.

É dirigido aos estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas integrais, com renda per capita familiar máxima de três salários mínimos. Os candidatos são selecionados pelas notas obtidas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Desde sua criação, o ProUni já atendeu 919 mil estudantes, sendo 67% com bolsas integrais.

AR,VP/EH
Com informações da UnB e do MEC

Leia mais:

02/04/08 – Ministro Carlos Ayres Britto vota pela constitucionalidade do ProUni

21/07/09 – DEM ajuíza ação contra o sistema de cotas raciais instituído por universidades públicas

Fonte: Supremo Tribunal Federal

30anos
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