noticias Publicado em 6 de julho de 2011

Machismo e sexismo do processo de seleção da Rede de Educação Cidadã – GO

Companheir@s,

            Nós entidades, movimentos e pastorais comprometid@s com o processo de construção de uma nova sociedade e de outras relações humanas, acreditamos na educação popular como instrumento de transformação. Acreditamos também, que a RECID, construída no primeiro governo do Presidente Lula e que integra o Setor de Mobilização Social do Governo Federal, é uma iniciativa renovadora e impulsionadora de um projeto popular e soberano para o Brasil, vimos a público apresentar algumas reflexões.

O patriarcado enraizou no seio da sociedade o poder masculino. Ao longo da história da humanidade, tal poder foi assegurado de várias formas. As estruturas sociais foram utilizadas não só para submeter às mulheres, mas para legitimar e parecer “natural” a hierarquização nas relações entre homens e mulheres. Neste aspecto, a religião, as ciências racistas e sexistas, as leis e a violência constituíram-se em instrumentos de dominação.

            Um exemplo disso é verificado, no primeiro código de leis sistematizado da história humana: o Código de Hamurabi, escrito mais ou menos 2.000 a.C. O mesmo determinava que as mulheres devessem ser obedientes ao pai e ao marido e não podiam circular em locais públicos, como as tavernas.

Pode-se concluir, então, que a subalternização das mulheres, bem como a supremacia de poder masculino, não é algo natural, mas são questões culturais, historicamente e socialmente construídas e legitimadas pelo arcabouço jurídico. Por isso, foi intensa a luta das mulheres para quebrar as barreiras legais e culturais que historicamente legitimaram e naturalizaram a sua exclusão, submissão e  sub representação.

            Alguns dados revelam que as mulheres encontram-se numa situação de desvantagem:

ü  Apenas 1% da riqueza do mundo está no nome de mulheres.

ü  No Brasil as mulheres recebem em média, apenas 66,1% do salário recebido por homens, segundo dados do IBGE.

ü  Apenas 37% dos cargos de chefia no Brasil são exercidos por mulheres, embora as elas tenham em média três anos a mais de escolaridade que os homens.

ü  Somente 45% das mulheres em idade economicamente ativa contribuem com a previdência social.

ü  90% das mulheres que exercem atividades remuneradas dizem realizar trabalho doméstico ao chegar em casa. Entre os homens somente 10% dizem fazê-lo.

ü  As mulheres estão mais representadas no trabalho doméstico, na produção para o próprio consumo e no trabalho não remunerado.

ü  A mulher é sub representada na política. Do total de 1059 deputados estaduais, apenas 136 são mulheres. Na Câmara Federal são 513 cadeiras, das quais 44 são ocupadas por mulheres. No Senado, são 81 cadeiras e 8 são ocupadas por mulheres. Dos 27 estados da federação, apenas dois são governados por mulheres.

Mediante tais dados fica nítido que a desigualdade de gênero precisa ser enfrentada, ou seja, é condição sine qua non para que possamos construir novas relações.  Segundo consta nos documentos oficiais da RECID, ela é definida da seguinte forma:

“A Rede de Educação Cidadã é uma articulação de diversos atores sociais, entidades e movimentos populares do Brasil que assumem solidariamente a missão de realizar um processo sistemático de sensibilização, mobilização e educação popular da população brasileira e principalmente de grupos vulneráveis econômica e socialmente (indígenas, negros, jovens, LGBT, mulheres, etc), promovendo o diálogo e a participação ativa na superação da miséria, afirmando um Projeto Popular, democrático e soberano de Nação.” (Documento RECID)

A citação acima traz uma definição clara da RECID. Apresentando-a como espaço democrático, onde grupos como negras (os), indígenas , LGBTT, jovens e mulheres devem ser contemplad@s de forma efetiva e igualitária.

O empoderamento de grupos sociais historicamente discriminados é pressuposto básico na construção de um projeto popular e democrático de sociedade. Sendo assim, deve ser um dos princípios norteadores de todas as ações desenvolvidas pela RECID, inclusive nos processos de seleção para educad@r liberad@.

Contemplar a questão de gênero é condição fundamental para construirmos processos democráticos e quebrarmos velhos paradigmas. Verifica-se que em processos anteriores a RECID se preocupou em assegurar tal questão de forma de forma isonômica.

 Por isso discordamos do machismo e sexismo que nortearam o último processo seletivo para educad@r popular no Estado de Goiás, em 21 de junho de 2011. Em um processo para escolha de três educador@s liberad@s, foram selecionados três homens com a justificativa que as mulheres eram menos “qualificadas”. Percebe-se que houve uma reprodução da ideologia patriarcal, onde o trabalho do homem é supervalorizado.

Salientamos que os nomes selecionados são valorosos e muito contribuirão para a construção da rede, porém, registramos nossa insatisfação e profunda tristeza com um processo de seleção que não permitiu a escolha de pelo menos uma representante do sexo feminino.

Essa postura também aconteceu na primeira etapa da IV Escola de Formação de Educadores/as Populares que acorreu de 17 a 19 de junho de 2011, em Varjão-GO. Somente homens fizeram exposições dos temas e participaram da mesa de abertura. Para as mulheres foi legada a mediação e coordenação.

A nossa intenção com essa carta é fomentar a reflexão de que os preconceitos são construções históricas, arraigadas em nossa maneira de enxergar o mundo, presentes até em espaços como RECID. Para que nossa visão de mundo seja ampliada criticamente, a questão de gênero deve ser respeitada, valorizada e priorizada.

Que essa crítica fraterna, possa fortalecer a Rede de Educação Cidadã, aproximando-a da horizontalidade e igualdade em suas decisões e contribuir para que as próximas ações sejam norteadas pelo compromisso com a transformação da sociedade, das relações sociais, de classe e de gênero. Sendo assim, solicitamos que o processo seletivo para educad@r da RECID Goiás, seja revisto e garantido a participação das mulheres.

Goiânia, 1º de julho de 2011.

Assinam esta Carta:

Agentes Pastorais Negros

Articulação de Mulheres Negras Brasileira

Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde

Associação Cultural Família Arraiá do Veio de Leopoldo de Bulhões

Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros de Goiás

Associação Ipê Rosa LGBTs

Associação Quilombo Urbano Vó Rita

Centro Popular da Mulher

Conselho Estadual da Mulher – GO

Conselho Estadual LGBTT de Goiás

Coordenação Nacional de Lutas

CSP- Conlutas – Central Sindical e Popular – Goiás

Fórum de Transexuais de Goiás

Fórum Goiano de Mulheres

Grupo de Mulheres Negras Malunga

Grupo Oficina Mulher

Grupo Oxumaré de Direitos Humanos de Negritude e LGBTs

Instituto Brasil Central

Instituto Sócio Educativo Juvenil de Trindade

Irmãs de São José de Rochester

Movimento Popular de Saúde

Pastoral da Juventude do Meio Popular

União Brasileira de Mulheres

30anos
Grupo Transas do Corpo
Ações educativas em gênero,
saúde e sexualidade.