noticias Publicado em 28 de novembro de 2011

Mulheres negras pesquisadoras discutem o racismo institucional nas universidades

Menos de 1% dos 6 mil doutores que se formam por ano no país são negros, e menos de 1% das teses tratam temas de interesse das populações afrodescendentes. Para discutir esses dados e formas de revertê-los ocorreu, na manhã desta sexta-feira (25), em Brasília, a mesa “Pesquisadoras Negras”, evento integrante do 4º Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha.

“A academia é um espaço hostil à nossa presença. Orientadores acham que não podem entrar na questão racial. Por que não?”, questionou a doutora Maria Aparecida Silva Bento, diretora executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT).

A professora lembrou a dificuldade na relação entre o pesquisador e o orientador, que, muitas vezes, considera o ato de abordar a questão racial no Brasil como militância. Segundo Maria Aparecida, a rigidez das instituições acadêmicas faz muitos estudantes negros desistirem de seus temas originais, pois, geralmente, os projetos de temática racial não são aprovados, ou os orientadores afirmam não ter conhecimento ou bibliografia sobre o tema.

Para a diretora, é preciso superar esse obstáculo, se organizar e pensar maneiras de melhorar a relação com agências financiadoras de programas de mestrado e doutorado, a fim de possibilitar benefícios a longo prazo para outros pesquisadores afro-brasileiros.

Esquecimento – Janaína Damasceno, doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), sentiu essa dificuldade durante o desenvolvimento de sua tese: “Os Segredos de Virgínia”, sobre a psicanalista e socióloga brasileira Virgínia Bicudo (1910-2003), primeira a abordar as relações raciais em um trabalho de pós-graduação no país e primeira negra a se tornar professora universitária.

Segundo Janaína, há um processo de esquecimento e rememoração das pesquisadoras negras, além de uma tentativa de embranquecimento. Sobre Virgínia Bicudo, por exemplo, a maioria das referências encontradas não diziam que ela era negra. De acordo com Janaína, a psicanalista atendeu a autoridades brasileiras como Eduardo Suplicy e teve contato com Juscelino Kubitschek, mas no campo das Ciências Sociais, Virgínia foi esquecida. “As teses sumiram do cenário acadêmico. As teses somem, mas as ideias não”, disse.

Fortalecimento – A mediadora dos debates, Juliana Nunes, da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Distrito Federal, destacou que esse debate só é possível hoje porque muitos homens e mulheres afrodescendentes ousaram abordar o tema em tempos bem mais difíceis. “A universidade é um espaço que reproduz o sistema racista da sociedade brasileira, mas nós estamos aqui hoje, e este é um espaço de fortalecimento”, argumentou.

Andressa Marques, mestranda em Literatura e pesquisadora da Universidade de Brasília, reiterou a necessidade de superar os obstáculos: “enfrentar o racismo institucional é um problema diário no meio acadêmico. Queremos não ter de lidar com isso, mas precisamos seguir em frente”.

Ao discutir a proposta de criação de universidades quilombolas, a pesquisadora destacou a importância de um projeto que valorize e respeite a cultura local, sem limitar as possibilidades dos estudantes. “Pensar um espaço que partilhe o conhecimento alheio a esse enfrentamento diário que temos talvez seja mais frutífero”, ponderou.

Pesquisadores – Janaína Damasceno expôs a realidade da USP, na qual a maioria das bancas são compostas por professores brancos. Segundo ela, nos trabalhos sobre a questão racial, os erros apontados durante a apresentação não são de conteúdo, são por conta da suposta militância. “Cada vez que dizem ‘deixe de ser militante’ estão dizendo é ‘deixe de ser negro'”.

Outro problema identificado pela doutoranda é que o argumento de muitos professores para a invisibilidade de autores negros nas pesquisas é que não há bons pesquisadores negros. “Vamos continuar sob esse jugo dos pesquisadores brancos?”, questiona-se. “Precisamos nos colocar como intelectuais negros e dar visibilidade a intelectuais negros”, conclui.

Redemocratização – Para a professora doutora Maria Aparecida, o racismo precisa ser discutido nas instituições, com treinamento e implementação de ações afirmativas. “É preciso buscar nas instituições outros pesquisadores negros que estejam passando pelas mesmas dificuldades, para educar a instituição a respeito da questão racial”, orientou.

Segundo ela, não é mais possível isolar os discursos. “Precisamos trazer brancos para ouvirem nossas falas, para que eles possam aprender. Cabe aos negros redemocratizar esse país. As mulheres negras estão na ponta desse processo”, disse.

Fonte: Portal Geledés

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