noticias Publicado em 9 de novembro de 2010

Projeto de lei sobre aborto de fetos anencéfalos é analisado no Senado e no STF

BRASÍLIA (Agência Senado) – Um dos temas mais polêmicos em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) é a possibilidade de aborto de fetos anencéfalos (sem os hemisférios cerebrais), assunto de que trata o projeto de lei do Senado (PLS) 227/04, do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Ele altera o artigo 128 do Código Penal para incluir, entre os casos em que o aborto é permitido, a situação em que o feto tem anencefalia.

O senador alega que as mulheres brasileiras com esse tipo de gravidez estão sendo submetidas a profundo sofrimento psicológico por todo o período gestacional. De acordo com o parlamentar, que é médico, as gestantes sofrem, além do trauma psíquico, prejuízos com relação à saúde – tais como o aumento da incidência de eclampsia e de anormalidades placentárias.

É fundamental que a legislação brasileira contemple a possibilidade de interrupção da gravidez de fetos com anencefalia, caso seja o desejo da gestante e o ato seja praticado por médico habilitado, afirma o senador.

Supremo

O STF realizou, em 2008, uma série de audiências públicas com especialistas, autoridades do governo, entidades religiosas e da sociedade civil para debater a questão, mas, até hoje, não decidiu a respeito. O relator da matéria no STF é o ministro Marco Aurélio Mello.

A questão chegou ao STF a partir de uma ação ajuizada em 2004 na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) pedia que a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos deixasse de ser considerada crime. A ação – denominada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54 – foi proposta pelo advogado Luís Roberto Barroso com o apoio do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis).

A CNTS entende como ofensa à dignidade humana o fato de a gestante ser obrigada a carregar no ventre um feto que não sobreviverá depois do parto, ou que, na melhor das hipóteses, viverá algumas horas ou dias. Essa obrigação existe porque o Brasil proíbe o aborto, exceto quando a gravidez trouxer risco para a mãe ou for originária de estupro.

A confederação argumenta que antecipação terapêutica do parto não é o mesmo que aborto, mas uma questão tratada pela medicina e pelo senso comum que não teria qualquer semelhança com escolha moral envolvida na interrupção voluntária de uma gravidez viável.

Procuradoria Geral

No dia 18 de agosto de 2004, o então procurador-geral da República Cláudio Fontelles manifestou-se a respeito da ação da CNTS enviando ao Supremo um parecer contrário à legalização do aborto de feto anencéfalo.

Fontelles argumentou que o direito à vida é garantido pela Constituição federal e que esse direito se estende aos fetos, uma vez que a Carta Magna diz, em seu artigo 5º, que Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida e o artigo 2º do Código Civil (Lei 10.406/02) estabelece que A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Para o então procurador-geral da República, o tempo que pode viver uma criança anencéfala fora do útero – seja de minutos, seja de meses – não muda seu direito à vida, que não se pode medir pelo tempo, seja ele qual for, de uma sobrevida visível.

Ele argumenta também que o feto anencéfalo não constitui, por si, ameaça à vida da gestante, pois, se a colocasse em risco, a interrupção nesse caso já seria permitida, não sendo necessária reinterpretação da lei. Com relação ao sofrimento da mãe que é obrigada a manter a gestação de uma criança com poucas esperanças de sobrevida, Fontelles diz que essa dor não é causa suficiente para relativizar o direito à vida.

Quase um ano depois das audiências públicas realizadas pelo tribunal em agosto e setembro de 2008 sobre o tema, a então procuradora-geral da República interina Deborah Duprat enviou novo parecer ao STF, no qual manifestava-se favoravelmente ao aborto por anencefalia do feto – posição claramente contrária à de Fontelles.

Deborah se disse convencida de que deve ser concedido à gestante o direito de interromper a gravidez sem a necessidade de prévia autorização judicial, caso um médico habilitado diagnostique que o feto não tem os hemisférios cerebrais. Em seu parecer, ela cita conclusões de participantes das audiências públicas do STF.

Divergência

Além da controvérsia entre os representantes do Ministério Público, os próprios ministros do STF divergem sobre o assunto. No dia 1º de julho de 2004, o ministro Marco Aurélio Mello, relator da matéria, concedeu liminar permitindo a gestantes de fetos anencéfalos antecipar o parto. Essa decisão durou, no entanto, apenas três meses. No dia 20 de outubro daquele ano, o plenário do STF retomou a discussão sobre o assunto e decidiu, por maioria, revogar a liminar de Marco Aurélio.

Votaram contra a liminar os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Nelson Jobim. Votaram com o relator e pelo referendo da liminar os ministros Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence.

Enquanto o Supremo não conclui o julgamento, os juízes das instâncias inferiores continuam decidindo sobre esses casos. Alguns já autorizaram mulheres grávidas de anencéfalos a abortarem.

Marcela de Jesus

Em meio a toda a polêmica no Supremo e na Procuradoria Geral da República, ocorreu no interior de São Paulo um caso que esquentou ainda mais o debate. A menina Marcela de Jesus Galante Ferreira nasceu em novembro de 2006 na cidade de Patrocínio Paulista. Sua mãe, Cacilda Ferreira, decidiu levar adiante a gravidez mesmo depois do diagnóstico de anencefalia. Marcela Ferreira viveu por um ano, oito meses e doze dias, morrendo em agosto de 2008.

Embora confirmado pela pediatra da criança, alguns médicos contestaram o diagnóstico de anencefalia.

CCR

http://www.ccr.org.br/a_destaque_detalhes.asp?cod=870

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