noticias Publicado em 12 de junho de 2020

Uma experiência tecida nas tramas do feminismo

TRANSAS
TRANS
ASAS
CORPO

Em uma de nossas festas comemorativas de aniversário, talvez o décimo terceiro, Alex Ratts, amigo querido e professor da UFG, fez um anagrama com as palavras do grupo como as que estão reproduzidas acima. Fruto apenas de memória e não de consulta a registros, ficou na imaginação essa disposição dos termos que foram nosso nome, Transas do Corpo. Um grupo, uma associação que deu asas à imaginação e criou sua própria história inscrita em nossos – e de muitas outras pessoas – corpos, para fazer do político um lugar, uma experiência.

O Transas do Corpo nasceu em 1987, mas já estava em gestação desde 1985. Sua criação em Goiânia, Goiás, nesse ano que antecede as movimentações mais relevantes dos anos 1980, a saber a reconstrução da democracia que culminou na elaboração da carta constitucional, e na retomada das conferências populares de saúde, é um marco para esta cidade percebida como conservadora, mas porque jovem, cheia de ambivalências e desejos de vida inteligente. As fundadoras do Transas eram muito jovens, a mais velha tinha apenas 26 anos. Todas haviam conhecido o feminismo em algum momento de suas vidas. Todas traziam alguma indignação em suas biografias de estudantes, profissionais e como indivíduos singulares que eram. O encontro das quatro fundadoras – Kemle, Gelva, Lenise e Eliane – às quais vieram se juntar Goreti (até 1988), Rurany (até 2001) e Joana (para sempre) – foi permeado pelas circunstâncias da militância dos anos 1980. No Brasil a temática da sexualidade emergiu forte no quadro das teorizações e mobilizações feministas. Começava uma era que iria se prolongar até meados dos anos 2000 de muita ênfase na formação de quadros para as organizações, para o parlamento, para o Estado e, por último, para as universidades. Era um tempo de encontro com o mundo, com os feminismos internacionais, possibilitado, em grande medida, pelos recursos das instituições (em particular estadunidenses e europeias) que apoiavam os grupos brasileiros. Nosso feminismo era forjado na empatia e identificação com mulheres de outras gerações que nos ensinavam mais do que todos os anos que tivemos de formação universitária o valor da diversidade de pensamento, da democracia, da solidariedade e da utopia. Com esses ensinamentos viajávamos pelas páginas de livros nunca lidos e por paisagens que nos mostravam formas de vida não experimentadas. Nossas vidas iam se modificando rapidamente e a pressa em “tornar-se” (feministas, organizadas, articuladas, reconhecidas) ia moldando o modo como construíamos aqui em solo goiano esta experiência. Criar o Transas em 1987 tinha essa urgência, a de enfrentar desafios postos por todos os lados: as instituições com seu conhecimento burocratizado e sem sentido, a imobilidade social, os problemas crescentes e o desejo gritante de liberdade e ação.

Bem, foram 32 anos. Nesta página há uma parcela, ainda que pequena, da nossa história, mas que não contém muitos registros formais nem a riqueza das experiências vividas individual e coletivamente. Nós sempre fomos um coletivo pequeno, mas que, por algumas vezes, chegou a ter uma equipe de 20 pessoas em termos de equipe e algo em torno de 32 contando com as/os conselheiras/os. Este time foi responsável durante anos por oferecer à comunidade goiana: cursos de formação em gênero, saúde sexual e reprodutiva e sexualidade, projetos de educação sexual nas escolas e serviços de saúde; publicação de materiais educativos, entre os quais 30 edições do boletim Fazendo Gênero (disponíveis aqui), cartilhas, audiovisuais, folhetos, cartazes de campanhas, relatórios de atividades, livros, agendas etc., e desde 1999, uma página na Internet, uma das primeiras no mundo das ONGs feministas. Tivemos apoios diversos de instituições internacionais e brasileiras e nossa rede de interlocução não excluía nenhum ator social importante – governo, sociedade civil, universidades, partidos políticos, sindicatos, imprensa, igrejas, comunidade. Por três décadas formamos pessoas, majoritariamente mulheres que estão hoje espalhadas em lugares tão diversos quanto o parlamento, as universidades, as instâncias governamentais e as organizações sociais. Fizemos, até onde é possível, nossa transmissão geracional e cada uma foi descobrir seu lugar nas diversas configurações do feminismo brasileiro. Com elas continuamos tecendo ideias e projetos enquanto tivemos nossa personalidade jurídica (CNPJ). Ao dissolvê-la, desfizeram-se os projetos em termos organizacionais, mas não as relações que prosseguem ricas, nos contextos que são ora mais ora menos favoráveis.

Gostaríamos de deixar como mensagem às pessoas que nos visitam que uma experiência tecida nas tramas do feminismo não se desfaz jamais.

A todas/os, muito obrigada!

Goiânia, maio de 2020.

Eliane Gonçalves, Gelva Costa, Joana Plaza, Kemle Semerene, Lenise Borges.

30anos
Grupo Transas do Corpo
Ações educativas em gênero,
saúde e sexualidade.